sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Islândia - Um exemplo de uma revolução popular pacífica

Essas notícias não aparecem nos telejornais burgueses. É sobre a revolução que está ocorrendo na Islândia que é um exemplo impressionante de quão pouco a mídia nos dizem sobre o que se passa no resto do mundo. Os norte-americanos lembrar-se-ão de que no início da crise financeira de 2008, a Islândia caiu literalmente na bancarrota.
Há medida que um país europeu atrás do outro atinge ou fica próximo de atingir a bancarrota, pondo em perigo o Euro e com repercussões para o mundo inteiro, a última coisa que os poderes em questão querem é que a Islândia se torne um exemplo. Eis a razão:
Cinco anos de um regime puramente neo-liberal fizeram da Islândia (população de 320 000 habitantes, sem exército) um dos mais ricos países do mundo. Em 2003 todos os bancos do país foram privatizados e, num esforço para atrair o investimento estrangeiro, passaram a oferecer serviços on-line, cujos custos reduzidos lhes permitiram oferecer taxas internas de rendibilidade relativamente elevadas. Estas contas, designadas “IceSave”, atraíram muitos pequenos investidores ingleses e holandeses. Mas, à medida que os investimentos cresciam, também a dívida externa dos bancos aumentava. Em 2003, a dívida islandesa equivalia a 200 vezes o seu PIB e, em 2007, era de 900%. A crise financeira de 2008 foi o golpe de misericórdia. Os três principais bancos islandeses, o Landbanki, o Kapthing e o Glitnir caíram e foram nacionalizados, enquanto o Kroner perdeu 85% do seu valor em relação ao Euro. No final do ano, a Islândia declarou a bancarrota.
Ao contrário do que se poderia esperar, da crise resultou que os islandeses recuperaram os seus direitos soberanos, através de um processo de democracia participativa directa, que acabou por conduzir a uma nova Constituição. Mas só depois de muito sofrimento.

       Geir Haarde, primeiro-ministro de um governo de coligação social-democrata, negociou um empréstimo de dois milhões e cem mil dólares, ao qual os países nórdicos acrescentaram mais dois milhões e meio. Mas a comunidade financeira internacional pressionou a Islândia a impor medidas drásticas. O FMI e a União Europeia quiseram apoderar-se da sua dívida, alegando que este era o único caminho para que o país pudesse pagar à Holanda e ao Reino Unido, que haviam prometido reembolsar os seus cidadãos.
Os protestos e as revoltas continuaram, acabando por forçar o governo a demitir-se. As eleições foram antecipadas para Abril de 2009, resultando numa coligação de esquerda, que condenou o sistema econômico neoliberal, mas logo cedeu às exigências daquele, de acordo com as quais a Islândia deveria pagar um total de três milhões e meio de Euros. Isto exigia que cada cidadão islandês pagasse 100 euros por mês (cerca de US$130) por quinze anos, a juros de 5,5%, para pagar uma dívida contraída por particulares perante particulares. Foi a gota de água que fez transbordar o copo.
O que aconteceu depois foi extraordinário. A crença de que os cidadãos tinham que pagar pelos erros de um monopólio financeiro, que uma nação inteira deveria ser tributada para pagar dívidas privadas caiu por terra, transformando a relação entre os cidadãos e suas instituições políticas, e acabando por trazer os líderes da Islândia para o mesmo lado dos seus eleitores. O Chefe de Estado, Olafur Ragnar Grímsson, recusou-se a ratificar a lei que teria feito os cidadãos da Islândia responsáveis pelas dívidas seus banqueiros, e aceitou o repto para um referendo.
É claro que isto apenas fez com que a comunidade internacional aumentasse a pressão sobre a Islândia. O Reino Unido e a Holanda ameaçaram com represálias terríveis, que isolariam o país. Quando os islandeses foram a votos, os banqueiros estrangeiros ameaçaram bloquear qualquer ajuda do FMI. O governo britânico ameaçou congelar poupanças islandesas e contas correntes.
No referendo de Março de 2010, 93% dos islandeses votou contra o pagamento da dívida. O FMI imediatamente congelou o seu empréstimo. Mas a revolução (apesar de não ter sido transmitida), não se deixaria intimidar. Com o apoio de uma cidadania em fúria, o governo colocou sob investigações civis e penais os responsáveis pela crise financeira à medida que outros banqueiros envolvidos no crash fugiram do país.
              Mas os islandeses não pararam por aí: decidiram elaborar uma nova constituição que iria libertar o país do poder exagerado da finança internacional e do dinheiro virtual.
Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu 25 cidadãos, de entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido político. Reuniões da Constituinte são transmitidas on-line, e os cidadãos podem enviar os seus comentários e sugestões, vendo o documento tomar forma. A Constituição que resultará deste processo participativo e democrático será submetida ao Parlamento para aprovação depois das próximas eleições.
            Hoje, esse país está a recuperar do colapso financeiro de forma exatamente oposta àquela geralmente considerada inevitável, como foi confirmado pela nova presidente do FMI, Christine Lagarde. Foi dito ao povo da Grécia que a privatização de seu sector público é a única solução. Os povos da Itália, da Espanha e de Portugal enfrentam a mesma ameaça.
Estes povos devem olhar para a Islândia. Recusando curvar-se perante os interesses estrangeiros, este pequeno país afirmou, alto e a bom som, que o povo é soberano.
É por isso que já não aparece nas notícias.

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